19.6.05

Abílio J

I

Um terrível calor abatia-se sobre a terra. Trabalhadores de enxada nas mãos, grandes e rijas, limpavam as gotas salgadas que lhes escorriam da fronte, percorrendo as curvas acentuadas das suas caras, esqueleticamente magras, até caírem na terra, cristalinas, penetrando pelas rachas do solo seco, sequíssimo, infértil, moribundo.
Era o fim da tarde. Dentro de pouco tempo tocariam nos sinos as Trindades, altura do regresso, pelos caminhos poeirentos e irregulares, feitos tortuosamente por quem não aguenta mais o peso do próprio corpo sobre os sapatos.
Casa. Um pedaço de broa, rijo como os cornos de um bode que morreu de velho, e uma cabeça de sardinha, sobre uma mesa manca e roída pelos bichos. Após a refeição, leva a mão ao bolso que ainda se não rompeu, e tira com cuidado um canivete, prenda do seu pai, que Deus esteja com ele, lho ofereceu pelo seu décimo-oitavo aniversário. Sempre cuidara bem dele, polia-o todas as noites, e afiava-o, e limpava-o. Mas hoje não. Hoje era, afinal, um dia diferente. Hoje a vingança do seu pai iria ser finalmente consumada.


II


Acerca-se da janela. É já noite, e uma fresca brisa entra nos seus pulmões, inflando cada alvéolo. Sem nuvens a ofuscar, um resplandecente luar, simétrico do Sol abrasador, ilumina-lhe a face, e vitaliza-o. Toma um longo fôlego absorvendo-se na beleza celeste, e decide sair. “Ainda é cedo” pensa, e vagueia em direcção ao freixial, acompanhando o riacho, cuja água reflectia a lua, cada vez mais brilhante e cheia. Chega à nascente e decide sentar-se pois ainda muito lhe doíam os costados da jorna. Tira mesmo os sapatos, sujos de terra e gastos pelo uso, e mergulha os pés na água doce, recostando-se para trás, amortecendo-se sobre um montículo de grama caída. Com a mão posta em cima do peito sob a camisa já desabotoada, recorda os acontecimentos na antecipação do resto desta noite.

1 Comments:

At 2:40 da tarde, Blogger impulsitem said...

lacto-simbiosina

 

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