Pré-quela - Número P
-1
Chovia. Pingos de água, frios e fortes caíam com estrondo na terra. Era já noite, e sob este temporal caminhava um ser suspeito. Vestia gabardina escura, com colarinho puxado a cima. Na cabeça levava um chapéu que lhe tapava a cabeça da calvície que desponta. Um passo largo e acelerado, imprime movimento ao seu corpo alto e esguio. Evita as pessoas, e estas a ele: é uma sombra entre os homens. Às tipóias que passam, esguichando lama para os seus sapatos, replica em silêncio, condenando-os, espezinhando-os na sua cabeça. As ruas pelas quais caminha afunilam-se: finalmente chega ao seu destino. Ainda chove, e forte, mas ele detém-se na porta. Encosta as suas costas magras e ossudas às paredes húmidas e descansa do seu passeio. Cinco minutos, dez minutos passam. Tocam as 11 badaladas no sino da Sé. Ouve o portão a ranger e alguém a sair. Colhe então um fôlego final do ar molhado e levanta-se. Verifica se a rua está vazia e, com um pequeno balanço, projecta um pé contra o muro, agarrando com as mãos o topo, e por fim, transpondo-se para o outro lado. Aterra em cima de umas roseiras que lhe arranham os tornozelos. Pequenos fios de sangue escorrem-lhe dos pés, misturando-se com a água que ainda cai, mais levemente agora. Na casa apenas uma luz permanece acesa, a da cozinha, onde distingue um vulto de uma mulher. Em outras circunstâncias ter-se-ia aproveitado disso, mas a sua cabeça tinha então um só objectivo. A passo rápido mas furtivo dirige-se para as traseiras da casa. Mete a mão num dos bolsos e tira uma chave de parafusos. Inserindo-a na fechadura e segurando-a com a mão esquerda, tira outra chave e com esta na mão direita, lenta e calmamente levanta os pinos da fechadura, enterrando então a mão esquerda mais e mais. Passados cinco minutos o *click* recompensador ouve-se. Volta a guardar as chaves. Pelas traseiras tudo está escuro por isso, guia-se pelo luar que rompe agora pelas janelas, já que a chuva terminara, e as nuvens desapareciam. Apressa-se a procurar as escadas, e finalmente o escritório. A porta estava aberta. Encaminha-se para a secretária, mas um armário de bebidas chama-lhe a atenção. “Por todo o meu esforço bem o mereço” pensou, enquanto dava uns goles de brandy, não se preocupando em arranjar um copo. Finalmente na secretária, mesmo sobre a mesa, encontra o que viera buscar. “Já cá canta!” disse, enquanto tornava a saltar o muro.
2 Comments:
evitaria isto com muros 'só murex', o seu muro intransponível já disponível a sua localidade.
... em várias cores e cores.
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