20.6.05

O Protagonista, II - uma cidade interessantemente colorida

II

O Protagonista acorda sobressaltado, dando um pulo na sua rede que quase o atira para o chão. O mar tornara-se mais e mais violento, e podiam ouvir-se os trovões e a chuva grossa que caía sobre o convés. Na divisão onde estava, embora pequena, dormia o resto da tripulação, excepto o capitão, claro. Juntava-se assim a tempestade aos roncos, e na escuridão, clareada apenas pela fina luz lunar e o ocasional relâmpago, o Protagonista, entediado pelo sono, levanta-se e dirige-se ao convés para apreciar a noite violenta que tão bem lhe ficava no espírito, cansado dos mareios, ansioso por terra debaixo dos pés. “Amanhã chegamos…”, murmurou baixinho. Um sorriso esboçou-se-lhe no rosto.

Um porto movimentado, um reboliço que feria os ouvidos habituados à calma do mar e às sinfonias da Natureza. O Protagonista permanecia imóvel mas impaciente à ré, esperando a atracagem. Com um “adeus, obrigado!” rápido, desceu para o porto e avançou determinado.
Um grande corredor levava-o ao centro da cidade, por mercadores vendendo várias tralhas, cantando como pássaros desafiando-se uns aos outros. O nosso Protagonista, no entanto, não se poderia involver nessa luta pois tinha obrigatoriamente de se agarrar o mais possível aos seus últimos escudos, e tralha era algo que não tinha lugar na sacola que levava às costas. Por isso continua. Continua, continua, continua.
Pelo caminho observa uma cidade interessantemente colorida. A zona portuária repleta de agitação dá lugar ao centro da cidade, repleto de agitação. Uma feira, alguma festa popular, ocupa uma avenida, repleta de flores e lanternas de papel, música popular explodindo de uma esquina próxima, com crianças a correr, brincando aos generais e aos coronéis, aos heróis e aos vilões, às doenças e ao amor. “Hmph, deve ser algum feriado comunista”, pensa, enquanto admira a felicidade que vai no rosto dos patriotas. Decide então, como diversão, ele que sofreu de aborrecimento por duas semanas no alto mar, juntar-se ao povo, no seu contentamento, e enfila-se para uma sandes cozida pelo calor, e uma cerveja desinteressante, distribuídas gratuitamente por um homem muito muito velho, com pele de tartaruga e os ossos proeminentes por debaixo desta. Um sorriso enternecedor preenchia-lhe o rosto, no entanto. “Homem, és novo aqui, não és?”, dizia o velho enquanto lhe passava para as mãos a sandes; “Ha, ha… sim… Acabei de chegar de barco, … o que se passa aqui? Esta festa?”; “Ah, homem,… isto é a festa das Luzes! Não há melhor que isto em todo San Domingo… vai homem! Vai e diverte-te!” disse ele, com um brilho nos olhos como se se lembrasse por momentos dos tempos em que fôra um jovem como qualquer outro e não um velho de pele de tartaruga e os ossos proeminentes por debaixo desta. Tempos em que vivia uma felicidade que agora apenas podia experimentar quando a vivia nos outros. “Ai, ai…”, deixou escapar enquanto o nosso Protagonista tomava a primeira dentada com os olhos postos num grupo de raparigas em vestidos coloridos, já à luz das lanternas de papel, com a música mariachi a tocar, e elas bailando, dançando, girando, como graciosas borboletas.
Finalmente, ao cair da noite, com os pés dormentes de tentar acompanhar os nativos nas suas danças, senta-se num banco de jardim com as costas sobre a madeira e decide fechar os olhos, imaginando as estrelas (agora completamente diferentes, estando ele no hemisfério sul). E saboreia o seu cansaço, um bom cansaço, e uma memória. A única memória que à mente lhe poderia vir. “… Queria-te aqui comigo, Helena”.

5 Comments:

At 9:36 da manhã, Blogger impulsitem said...

o pormenor, hihih.
afinal não estava alojado, aqui foi.

 
At 1:22 da tarde, Blogger impulsitem said...

ajudou-me.

 
At 3:18 da tarde, Blogger KOE said...

Ha ha

 
At 12:22 da manhã, Blogger Unknown said...

são as helenas, que não de troia..que nos tramam.

 
At 1:23 da manhã, Blogger impulsitem said...

vou já pedir a Éolo que acalme os ventos. ah, espera.

 

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