4.7.05

O Protagonista III e IV

III

4 anos antes.

Era um dia de chuva. Helena acabara de se levantar da sua cama no primeiro andar e, arrastando-se em camisa de noite até à janela, senta-se na parte de dentro do parapeito, ainda meio ensonada. A chuva atravessava as árvores e batia grossa na janela, escorrendo pelo vidro. Helena olhava para o passeio em frente de sua casa. Era bastante cedo, umas seis da manhã, numa primavera ainda fria. Lá fora passavam os trabalhadores a caminho do terminal para apanharem o intersuburbano, enquanto alguns casais de velhotes passeavam os cães e as crianças corriam para a escola. De repente, sente uma coisa peluda a roçar-lhe o braço! Vira-se depressa e encontra a Pantufa, uma gatinha bebé que tinha encontrado na rua há umas semanas atrás. Estava muito esfomeada e mal tratada, mas agora saltava já animada, e comia sempre muito! Helena pega nela, faz-lhe algumas festas e pousa-a no parapeito, enquanto se levanta e desce para a cozinha. Prepara um café, enche a malga de comida da Pantufa e ataca uma maçã bem fresca que tinha apanhado ontem da árvore do descampado ao fundo da rua. Depois toma um chuveiro rápido, veste-se e sai.
Ainda estava frio na rua, mas a chuva cessara, com apenas algumas gotas caindo dos telhados e dos topos das árvores, que começavam a florescer. Andou devagar, a apreciar a brisa matinal que lhe enchia os pulmões de ar fresco, ajudando-a finalmente a acordar. Os carros começavam a ocupar as ruas, avançando agressivamente para a cidade, mas Helena caminhava na direcção oposta. Estava a apenas duas casas do seu destino. Os sinais de chuva tinham já desaparecido, e o sol começava a erguer-se, cegando-a com a sua luminosidade intensa. Mas não importava, tinha chegado. Bate à porta. Passado meio minuto abre-lha o Protagonista.



IV

O Protagonista dormia. Felizmente encontrara um lugar para passar a noite, num alojamento livre para sem-abrigo perto do parque onde tinha estado há umas horas. Parecia estranho mas só depois de voltar da festa, é que ficara a conhecer o nome da cidade. Churaca. Alojamentos Churaca.
O dormitório não estava cheio. Na verdade, para além dele, apenas mais três homens, barbudos e bastante mal cheirosos, tinham aparecido. Era um velho armazém com alguns colchões no chão e umas mantas por cima. Não era muito, mas era de graça. Quando o Protagonista entrou, dois dos velhos jogavam às cartas à luz de uma vela, enquanto o outro dormia ruidosamente sobre um dos colchões. O Protagonista escolheu um que lhe parecesse não estar ainda muito carcomido e instalou-se. Passado umas horas, o sol voltava a entrar pelas vidraças do antigo armazém. Era de dia.
Ainda não tinha pensado no que fazer. Decide que por agora devia aproveitar a manhã e sair, ver mais da cidade. Ao sair dos alojamentos repara que os vestígios da festa de ontem à noite ainda estavam presentes. Muitas fitas e lixo no chão, com alguns homens varrendo as ruas mas ainda muito longe de o acabarem. Algumas pessoas de pernas inseguras seguiam em direcção a casa, e as bancas de bijuterias, comes e bebes estavam ainda a ser arrumadas por pessoas bocejantes. Decide ir passear à beira mar de Churaca. O sol já tinha nascido, era certo, mas estava ainda deitado no horizonte sobre a água, muito cristalina e dourada. Alguns pescadores voltavam já do mar, com redes cheias de peixe miúdo, e começavam a secá-los na praia, ao calor da manhã. O Protagonista, que ainda não tinha comido nada, dirige-se então a um dos pescadores. Pergunta-lhe que tipo de peixes tinha, e compra um por 10 escudos, sentando-se na areia a saboreá-lo, um magnífico peixe seco.
Estava já a chupar-lhe a carcaça, quando vê do outro lado da rua um rapazinho a distribuir jornais. Vai buscar um, e desfolha-o enquanto continua a sua caminhada. O Clarín de Churaca (assim se chamava o pasquim) parecia ser um jornaleco bastante decente, com uma boa quantidade de notícias da terra e algumas sobre a situação, sempre instável, de San Domingo. Estava a chegar à última página quando repara num anúncio: “Procura-se jornalista, paga-se”. Habituado a estes golpes de sorte, lá segue o Protagonista rumo à redacção do Clarín.

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Após ter parado cerca de quatro vezes para pedir direcções, lá encontrou a redacção do Clarín de Churaca. Era uma rua bem apertada na zona oeste da cidade, bem longe da beira-rio. O prédio era velho e mal tratado, com janelas curtas de vidros embaciados. Toca calmamente à campainha. Abre-lhe a porta uma mulher de meia-idade, de cigarro fumegante na mão, e uma expressão algo sombria estampada na face. O seu traço mais notável era no entanto a pala negra que lhe cobria o olho direito, com um troço de uma cicatriz ainda visível. O Protagonista apresenta-se: “Olá, vim por causa do anúncio, no jornal…” … A mulher olha-o de alto a baixo com o seu olhar frio e meio-morto… “Sobe.”

2 Comments:

At 3:12 da manhã, Blogger impulsitem said...

arrotou de seguida, logo apareceu o lião que o comeu prontamente. que exuberante dentada! mas a barriga do lião não tinha muito que se lhe dissesse, desta feita o Protagonista pereceu de tédio.

 
At 8:48 da manhã, Blogger KOE said...

ha, ha. é diferente!

 

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