9.3.09

o melhor poema de sempre

Tentei falar-lhe da Morte.
Qual é a melhor morte?
Se na Guerra, se no Mar,...
Engolidos pela Terra que pisámos toda a vida?
Eu quero: rolando por uma encosta abaixo,
Depois de nos fulminarem com chumbo quente
Por termos roubado um banco
E fugido a cavalo.

A sublimação ulterior do meu corpo
Cinge-se à membrotomia - remoção dos meus apêndices.
O meu coto não entra na tua Glória
Fica cabisbaixo à porta
Como um palhaço coxo
Aquele que não tem Graça, não tem Pena,
Não tem Presença.

Afogar a Vida em Gasolina
Ligar a ignição de todas as Máquinas de Guerra
O Coração não digere tão bem
Como o tracto gastrointestinal
São precisos meses e meses
E meses e meses.

Um episódio: O Sagrado Alguém acendia e acendia fósforos repetidamente.
O Amigo Dele ria embriagado, o Rei dos Camarões
Sublimava o seu ventre.
Agrediu violentamente o Terceiro:
“Daqui 6 anos vais-me partir o coração, por isso vou-me precaver já”
Trocar corações por testículos não é um negócio limpo
E eu vejo tudo isto
Da Minha Cadeirinha.

Levanto-me e Caminho.
As ruas familiares de uma visita prévia
O calor familiar de algo que já me corroeu o Sangue
A Fúria de Viver Acompanhado
O Cheiro
O Beijo
O Toque
A divagação do caminho, pretexto para a reunião corporal
A Verdadeira Felicidade.

Os carinhos infinitos
As palavras que escorrem para dentro de nós -
Palavra, substância em estado semi-sólido,
Libertação de todas as agonias
Alvo das maiores fomes, instigadora da dor
Fonte de conforto.
Vivemos
Assim
Para Sempre.

5.3.09

Mais Mediocridade

O frio fracturante oculta o calor da minha visão
Trinta mil beduínos a pregar numa aldeia de Trás-os-montes
As mãos sedentas de moedinhas
Os ouvidos cheios de ultra-sebo

A carne aleijada das mulheres que os recebiam
As cabecinhas a arder
Do fervor da Fé
O estômago puro, vazio e disforme.

O ruído penetrante da minha visão

1.3.09

Poema do Homem Só

"Sós,
irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nóse ninguém nos conhece.

Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem

Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nenhum ser nós se transmite.

Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.

Dão-se os lábios, dão-se os braços
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.

Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo, este ser-se sem disfarce,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se, e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém."

António Gedeão, in Teatro do Mundo