15.12.07

Espero o autocarro
Um autocarro, o primeiro que apareça.

Subo para dentro dele
Pico a senha, procuro lugar com os olhos.

Vou caminhando para o fundo
Um velho pergunta-me, "Quer ficar com o meu lugar?"

"Não, não, deixe-se estar"
Respondo, e ele torna-se furioso:

"Olhe que eu ainda tenho erecções!"
Gritava ele, enquanto roía os estofos do banco.

Na próxima paragem o condutor correu com ele.
E o velho ficou estendido no chão, a lamber os líquenes das rochas.

E quando cheguei a casa,
Cheguei a casa e descalcei-me.

Gosto de ir colher flores
Quando estou sozinho
O único problema
É que quando chego
Não sei onde as pôr.
Ficam sempre de molho no lavatório.

Se a vida de dá trabalho e pesa nos bolsos
Passo-te este conselho que o meu avô me fez:
"Enquanto tiveres cabeça
Não te enforques pelos pés."

5.12.07

só isto

tantos dias tantas vistas. hoje mais um belo dia de merda. sentido?

Ó pássaro que voas
Quarenta metros acima de mim.
Vês que coisas boas,
Vês ao que eu vim?

Procuras tu comida
Quando as asas abres?
Espreitas a mulher despida
Que satisfaz os padres?

Pássaro, és belo
Não queres ser como eu?
Não preferes ter pêlo?

Dá-me o teu céu
Presente que estimarei com zelo
Uma prenda para um amigo teu.

São quase quatro
E chove.
De mansinho,
Rectas enviesadas
De água.

Estou cansado.
São quase quatro.
Já falta pouco.

O céu, invernoso cinzento,
Cobre a minha cabeça.
Os meus olhos cansados Amam-no,
Amam-no.

E uma ligeira brisa
Penetra dócil nas minhas narinas.
Amo isto tudo.

Nasci dum poço
Nasci num poço.
Soo a poço
Sou eu, o poço.
Não me esvaziem este poço
Quero morrer neste poço.

Ele

Encontrei-o um dia,
Voltava para casa.
De onde vens,
Para onde vais,
Voltámo-nos para casa.
Um abraço,
É ainda sincero, esse abraço?
Se te lembrares, avisa-Me.
Já que não falamos,
Mas nos vemos
Ele encontra-se e sucede-se
O seguinte ano.
É por estas alturas.
Eu a ti?
Eu já não acredito.
Para quê fingir, ainad o que é absurdo?
É absurdo, ouviste? Absurdo.
Um rasto de Graça pelo Ar.

Caspas

Conflito de gerações

"A dor é uma onda de elevada frequência".
"Má onda, puto".


Estou aqui, sim.
Sentado, sim.
À espera, sim.
De que aconteçam
As Coisas.
Mudem-me aí a vida,
E deixem-me lá no outro lado.



Esta vida não me sai
Que raio de Destino
Já o sabia o Eça com o
"É a cidade, menino!"

Que raio é o meu Ser
Estou mesmo Doente
Ai, ai, ai, ai, ai,
Estou mesmo doente.



Se Pecaste

Deus perdoa.



Escritor de Plástico

O escritor de Plástico
Não é degradável,
É desagradável.

Dependência de nicotina

Dá-me um fumo.
Sorves um, ou dois,
Enquanto balanças o sapato
Na ponta do pé, dentro do cinema.
Que dor de barriga,
Que alegria!
Dos lábios vapor branco que sopra
Está decidido.
E o corpo adormece.
Viva, viva, viva.
Somos hoje menos humanos.

Quando voltámos dos cafés
E brincámos e nos rimos
E sorríamos para o outro
E eu olhava-te e tu bailavas
E falávamos, e tu bailavas.
Foi aí que mais me custou
Te não ter agarrado e embrulhado um beijo,
Foi isto que eu pensei quando, era tarde,
Virámos as costas e
Partimos.

Interrompi um jogo de sueca.
1 "Não, não, estamos a inventar números falsos"
2 "Tem de se inventar números falsos"
3 "Números falsos"
Manca "63225"
1 "63225"
2 "63225"
3 "63225 é um, entre muitos - afia o monóculo -, muitos números falsos"
Manca "Pois é"
1 "Números falsos..."
2 "Olhai outro, 72914"
3 "72914"
Manca "Sete dois nove um quatro"
1 "Belo número!"
2 "Positivo, também"
3 "Positivamente positivo"
1 "Assaz número, assaz!"
2 "Números falsos..."
3 "Mais um, antes de fecharmos a mesa?"
Manca "O número mil"
1 "Ah, o senhor 1000..."
2 "Belos tempos, rapaziada"
3 "Uma vez vi-o... Ali, junto daqueles degraus. Os nossos beijos aqueceram a terra fria..."
Manca "Ah sim, que bom, hein?"
1 "Ó 3, nós queríamos saber disso,... para quê?"
2 "E é falso, o mil, sequer?"
3 "Não é, maldição!"
Manca "Maldição!"
E por aí fora. Interrompera um jogo de sueca.

Não escrevas a uma mão só
Faz como te digo, usa as duas.
Aumenta-te a potência das escrituras
E dá-te Novas Amplitudes.

Usa as duas mãos, rapaz, as Duas!
Fá-las falar uma à outra
Casa-as pela caneta e
Celebra essa Paixão.


Por esta floresta passeio
Esperando, com ânsia, encontrar
Um Ser Divino. Olá,
És tu que espero, para me sublimar?

Envolto em musgo,
Unido em resina
Menina, minha filha
Que susto!, um cutelo de matar!

"Não sabeis, ó Sujeito Poético
Que se anseias por sublimação
Não há remédio mais certo
Que a decapitação?"

Tens razão, bem me convenço
Tomai este lenço, para o sangue não pingar.
Tens tu mão firme? Estás pronta para cortar?
Sublima-me, fora com a minha cabeça, mas nada de sublimar o ar que sopra leve pelos meus cabelos e pela minha Pena, e que seca a tinta no papel.
Que Sensação!

Ao Céu

Ó céu
Que estás no céu,
Que és o céu.

Querida vaquinha
que me barbeias
Não te enfureças
a culpa foi minha.
Pelas tuas veias
Não te enfureças
Querida vaquinha
a culpa foi minha.

Sou fiel e cruel
De dentro do meu Capacete.
Oiço os choros em agonia
A rasgar pelas carnes
E os estilhaços cravados
Fundo, as feridas abertas,
Nos Sentimentos.
Mas que bem que se está,
Aqui dentro do meu Capacete.

Fala, fala,
Dá-me de comer.
Fala, fala,
Não me deixes morrer.
Só de ouvir a tua voz
Que ocupa as pausas que a minha deixa,
Venho a saber do que sou feito,
Do que somos feitos.
Nunca mais olhei para dentro dos teus olhos
Todo eu segrego a Saudade
De te tocar...
De te ver...
De te ouvir...
Fala, fala
Mas não me fales torto.
Não vês que sem ti não tenho já onde cair morto?

Fezes secas

Cuspi na rua
Caiu-me um dente.
Pisei bocados de cão.
Fezes secas.
E esta Angústia, meu Deus,
Esta Angústia!

Hora de dormir

Desligo a mente.
"Stand-by" permanente.
Empurra-me o solo
Para baixo.
Em semi-consciência
Recordo e apercebo-me,
em semi-consciência.
Entra-me o sonho p'lo nariz e p'los ouvidos.
Abro os olhos, e ardem.
É do Cloro. Do Cloro do sonho.
Se toca o despertador, canso-me.
Se não toca, os miúdos vão perder o autocarro.

Deus persegue-me

Deus persegue-me
Com pontas de lança
Deus persegue-me

Que mal te fiz eu,
Que crime foi o meu?
Já me fatigo,
Desmesurado castigo,
Já não posso correr,
Porque me fazes sofrer?

Deixai-me sem amor
Sem alegria e sem dor.
Não me faças viver!
Porque me não deixas morrer?

Quero a vida sem Sal.
Quero ser um Animal.
Renego Facções, Paixões
Emoções e Erecções.

Se me deixares fugir,
Prometo: vou apenas Existir.

Dá-me a benção, Deus
E afasta-me dos teus.

Mas a tua lança acaba de me ferir.
Porquê Deus? Porque me não deixaste partir?